Archive for fevereiro 2012

Blocos Líricos de Pernambuco - Bloco da Saudade

Post chega com atraso, afinal o carnaval já passou a um tempinho. De toda forma, dando continuidade a homenagem aos tradicionais blocos de carnaval do Recife, falaremos hoje do Bloco da Saudade.


Valores do passado, composta por Edgar Moraes em 1962, era uma homenagem musical a 24 blocos de carnaval já extintos. Nostalgia era o tema da música, onde os nomes desses grupos eram cantados ao ritmo do frevo.
Bloco das Flores, Andaluzas, Cartomantes
Camponeses, Apôis Fum e o Bloco Um Dia Só
Os Corações Futuristas, Bobos em Folia
Pirilampos de Tejipió
A Flor da Magnólia
Lira do Charmion, Sem Rival
Jacarandá, a Madeira da Fé
Crisântemos Se Tem Bote e 
Um Dia de Carnaval
Pavão Dourado, Camelo de Ouro e Bebé
Os Queridos Batutas da Boa Vista
E os Turunas de São José
Príncipe dos Príncipes brilhou
Lira da Noite também vibrou 
E o Bloco da Saudade, assim recorda tudo que passou

Valores do passado, composta por Edgar Moraes em 1962, era uma homenagem musical a 24 blocos de carnaval já extintos. Nostalgia era o tema da música, onde os nomes desses grupos eram cantados ao ritmo do frevo. O último bloco dito na música, que não existia, deu origem ao nome da agremiação, fundada em 1974 por Marcelo Varella e Zoca.


Fundadores do Bloco da Saudade - Zoca Madureira e Marcelo Varella (fotos do www.onordeste.com)
Desde então o Bloco da Saudade desfila no carnaval do Recife, levando o melhor do Frevo de Bloco, com bandas de Pau e Corda. Uma característica da agremiação são as ornamentações das fantasias, sempre muito coloridas.


Bloco da Saudade - foto tirada do www.blocodasaudade.org
Bom, vamos finalizar dizendo que o Bloco da Saudade desfilou em 2012 na segunda de carnaval (não tem link para a programação, afinal o carnaval já passou) e que já gravou 4 CD's, todos atualmente já esgotados:


1 - Saudade Vai Passar - 1995 - Primeiro registro de marchas-de-bloco realizado em CD - Tiragem: 7.000
2 - Carnaval Divinal: O carnaval do Bloco da Saudade - 1996 - Produção independente do bloco - Tiragem: 6.000
3 - Homenagem à Folia - 1998 - Produção independente do bloco - Tiragem: 6.000
4 - Saudade 30 anos - 2003 - Comemora os 30 anos do bloco - Tiragem: 5.000





Quando chega a folia querida
O meu sofrer faço esquecer
Pois é bem amarga a vida
Somente a folia é que me traz prazer
Vem carnaval divinal
Tua alegria espalhar
Com foliões em geral
Que vivem loucos de saudade
Sempre a te esperar


Comentando Morte e Vida Severina

Pensei em fazer um post sobre poesias do Recife, mas quando comecei a selecionar os textos apenas um poeta me veio em mente: João Cabral de Melo Neto.



Nascido no Recife na década de 1920, passou parte de sua infância nos engenhos da família nos municípios de São Lourenço da Mata e Moreno. Acredito que esses momentos tiveram grande influência nos seus trabalhos. Era de um grupo de intelectuais e poetas, sendo primo de Manuel Bandeira (já visto aqui no blog) e Gilberto Freyre, bem como irmão do historiador Evaldo José Cabral de Melo.


Apesar de ter retornado ao Recife em 1930, provavelmente presenciou muitos retirantes fugindo do sertão, saindo da seca do semi-árido, com ápice em 1932, para o deserto da monocultura da cana-de-açúcar na zona mata, onde só há o mar verde e nenhuma alma.

Acredito que todo esse contexto pode ser visto no seu principal livro: Morte e Vida Severina, onde é relatado a fuga de um retirante da Paraíba para o Recife, seguindo o trajeto do Capibaribe, seu principal guia.
"[...]
Como então dizer quem falo    
ora a Vossas Senhorias?    
Vejamos: é o Severino    
da Maria do Zacarias,    
lá da serra da Costela,    
limites da Paraíba.
[...]"

Morte e Vida tem um caráter até mórbido, sobretudo ao relatar a procura do retirante por emprego em lugar onde apenas a morte tem vez. Como um retirante, agricultor de pedras poderia encontrar trabalho onde a morte é meio de vida?
"[...]
- Agora se me permite   
minha vez de perguntar:   
como senhora, comadre,   
pode manter o seu lar?

-Vou explicar rapidamente,   
logo compreenderá:    
como aqui a morte é tanta,   
vivo de a morte ajudar
[...]"

Então o Severino da Maria do Zacarias, lá da Serra da Costela procurou retirar pelo lucro? Não. Ele buscou somente a necessidade básica de cada ser humano: Viver. Só que ao chegar na Mata ele se dá conta de que não há diferença com a caatinga, mesmo coa terra boa onde os rios são eternos. 

"[...]
O que me fez retirar  
não foi a grande cobiça  
o que apenas busquei  
foi defender minha vida  
de tal velhice que chega  
antes de se inteirar trinta  
se na serra vivi vinte,  
se alcancei lá tal medida,  
o que pensei, retirando,  
foi estendê-la um pouco ainda.  
Mas não senti diferença  
entre o Agreste e a Caatinga,  
e entre a Caatinga e aqui a Mata  
a diferença é a mais mínima.
[...]"

No final, Morte e Vida apresenta o nascimento do filho de José de Carpina, morador de Mucambo, vindo de Nazaré da Mata. Nisso surge a analogia com o espetáculo do Natal, que dá nome a livro. Porém, diferente dos reis magos, os mucambeiros tem pobreza geral e dão presentes modestos, como caranguejos, jornais para se cobrir, Pitú, mangas, dentre outros. Em seguida, duas ciganas fazem a previsão do recém nascido, inserindo a futura criança no ciclo do caranguejo, proposto por Josué de Castro.

"[...]
Vou dizer todas as coisas   
que desde já posso ver   
na vida desse menino   
acabado de nascer:   
aprenderá a engatinhar   
por aí, com aratus,   
aprenderá a caminhar   
na lama, como goiamuns,   
e a correr o ensinarão   
o anfíbios caranguejos,   
pelo que será anfíbio   
como a gente daqui mesmo. 
[...]"

Estes são alguns dos aspectos de um dos principais livros do autor. Outros diversos outros poemas e textos poderiam ser citados, como Cão Sem Plumas, onde o autor coloca o rio Capibaribe como narrador do texto, ou o Rio ou Relação que faz o Capibaribe de sua Nascente à Cidade do Recife.

Por fim, deixo o início de um relato do próprio João Cabral sobre esse seu poema:

"Meu primeiro poema foi publicado em 1942 no Recife, mas não tinha nada a ver com a cidade. Era de influência surrealista. Tenho 180 poemas escritos sobre Pernambuco - a maioria deles sobre o Recife e seu Rio Capibaribe. E escreveria outros tantos se pudesse. A veia inspiradora do Recife não morre, porque a cidade continua a existir. Persiste a atmosfera de miséria que inspirou, por exemplo, O Cão Sem Plumas, de 1950, ou Morte e Vida Severina, de 1954. Sempre escrevi poemas sobre o Recife longe da cidade. Eu não precisava estar lá para recriar o universo sobre o qual falo em meus poemas. Não acabaram as favelas nem as populações ribeirinhas do Capibaribe, que conheci na minha adolescência andando pelos mangues perto de casa, na Jaqueira. Algumas pessoas chegaram a me perguntar se eu tinha me inspirado em Josué de Castro e sua Geografia da Fome na hora de escrever esses dois poemas. Conheci, admiro e respeito Josué de Castro, que foi meu chefe em Genebra. Mas não me inspirei nele. Fiz poesia e emoção sobre aquela realidade miserável do Recife. Ele fez ciência. Essa é a diferença entre nós.[...]" (leia o resto aqui).

P.s: Aqui segue uma lista de Morte e Vida para comprar
P.s1: Gostei de sair das imagens fotográficas e entrar nas imagens do Recife literárias.

Blocos Líricos de Pernambuco - Batutas de São José

Hoje tem abertura do carnaval e por isso vou tentar homenagear os principais blocos líricos do Recife. O primeiro é também um dos mais antigo em atividade, o Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José,   fundado em 1932 no Pátio de São Pedro

Os Batutas é uma das principais atrações do carnaval, levando sempre uma boa quantidade de pessoas. Seu maior compositor foi o João Santiago, que compôs o principal sucesso comercial do bloco, Você Sabe Lá o Que Isso, conhecido também como o Hino dos Batutas.


Eu quero entrar na folia, meu bem
Você sabe lá o que é isso
Batutas de São José, isso é
Parece que tem feitiço
Batutas tem atrações que,
Ninguém pode resistir
Um frevo desses bem faz,
demais a gente se distinguir

Deixe o frevo rolar
Eu só quero saber, se você vai brincar
Ah! Meu bem sem você não há carnaval
Vamos cair no passo e a vida gozar


João Santiago, um dos principais compositores dos Batutas de São José
Outra música gravada pelos Batutas, e clássica no carnaval, é a Evocação Nº1, de Nelson Ferreira.


Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon
Cadê teus blocos famosos
Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apôs-Fum
Dos carnavais saudosos
Na alta madrugada
O coro entoava
Do bloco a marcha-regresso
E era o sucesso dos tempos ideais
Do velho Raul Moraes
Adeus adeus minha gente
Que já cantamos bastante
E Recife adormecia
Ficava a sonhar
Ao som da triste melodia

Nelson Ferreira, um dos pais do Frevo

Nesse carnaval de 2012, os Batutas vão desfilar na segunda às 21h, no desfile de agremiações no pólo Marco Zero

O Capibaribe e o Recife - História Social e Sentimental de um Rio

em 1959 Vamireh Chacon publicou a historia social e sentimental do Capibaribe. Para ele, o rio e a cidade do Recife formam uma unidade geográfica, histórica, econômica e sociológica, mas também sentimental e poética. A importância dessas águas para o passado da cidade todo mundo já conhece, mas muita gente ainda pensa que atualmente o rio é morto na área central. Bom, na minha opinião o rio ainda mantém uma função social, sentimental, econômica, sociológica e poética com a cidade, expressa através dos variados usos que ali ocorrem. Um exemplo desses usos, que compõem a paisagem do centro, são os pescadores da área central. Verdadeiros heróis da resistência, frente a todos os problemas ambientais presentes nessas águas. 



Pescar sobre as pontes do centro é uma boa forma de conseguir alimentação. Siri e peixe soia tem é muito. Quando a maré tá boa, eles conseguem vender um balde de Siri no Mercado de São José por R$ 10 aproximadamente. Já o Soia só alguns pescadores mais necessitados utilizam para comer.

Ao contrário da foto acima, onde o pescador utiliza um Jereré totalmente artesanal e tripa de galinha como isca, na pesca com a Tarrafa, quando realizada sobre as pontes, é mais utilizada como hobby ou alimentação própria. Utilizar esse método requer um maior investimento do pescador, além de uma maior técnica da pesca.



Essa técnica da pesca sobre as pontes não se refere apenas no modo de lançar a tarrafa, mas sim no local de jogar. Alguns pescadores relataram que conseguem ver os cardumes de peixes de cima das águas e os movimentos que eles fazem em relação a maré.

Na margem do rio da Rua da Aurora, sob a Ponte do Limoeiro, há um importante cais para um grupo de pescadores, moradores de local diversos. Antigamente alguns desses pescadores eram moradores da "extinta" comunidade da Vila dos Morcegos, retiradas do local pela Prefeitura do Recife em 2004.


A pesca nos barcos formam um verdadeiro ciclo econômico. O pescador diz retirar das águas de 100 a 200 toneladas de peixes diversos após uma noite inteira de trabalho abaixo da ponte giratória (Isso eu acho que só pode ser lenda de pescador ou de um cara que não tem noção alguma de peso). Esse produto já tem comerciantes fixos na margem do rio, na Avenida Martins de Barros, onde ele recebe o pescado em torno das 06h30 da manhã e revende aos passantes numa velocidade incrível. Não lembro ao certo agora, mas se não me engano 10 Kg desse peixe sai por R$ 25 para o usuário final e 100 kg por R$ 100 para o atravessador (falta confirmar a informação).



Jogar a tarrafa no rio a partir das embarcações também necessita de uma técnica de equilíbrio apurada, que é muitas vezes passadas entre as gerações. É muito comum ver pescadores trabalhando com os filhos e netos.

Locais de pescaria, além de todas as pontes do centro são nas proximidades da rua da aurora (como na foto abaixo onde vemos o Ginásio Pernambucano e a Assembleia Legislativa), próximo ao palácio do campo das princesas, na altura da prefeitura do Recife e do mangue da Casa da Cultura.

Bom, esses são alguns dos aspectos dos pescadores do centro. Ainda podem ser feitas observações sobre as marisqueiras, maioria vinda de Brasilia Teimosa, localizadas raramente no entorno do palácio do campo das princesas em momentos de maré baixa.


O Rio Capibaribe e o Recife estão unidos, como já falaram vários poetas. Mas isso já é assunto para outra postagem....

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